24 fevereiro 2008

PEQUENO POEMA DIDÁTICO


PEQUENO POEMA DIDÁTICO


O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são horas extremas!

(MÁRIO QUINTANA)

INICIAÇÃO


INICIAÇÃO


Não dorme sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.

O corpo é sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa:
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda Caverna,
Os deuses despem-te mais,
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes.

Neófito, não há morte.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.

(FERNANDO PESSOA)

http://br.youtube.com/watch?v=h7dGlFgw12I

23 fevereiro 2008

Foi Mesmo Há Algum Tempo


Foi Mesmo Há Algum Tempo

quase madrugada
corvos nos cabos do telefone
à espera
enquanto eu como a esquecida
sanduíche de ontem
às 6 da manhã
num sossegado amanhecer de domingo.

um sapato ao canto
em pé direito
o outro deitado de
lado.

sim, algumas vidas foram feitas para serem
desperdiçadas.

(Charles Bukowski)


EU NÃO ACREDITAVA MAIS


EU NÃO ACREDITAVA MAIS


Eu não acreditava mais em ser feliz,
não pensava sequer
que viesse ainda a encontrar, na vida, verdadeira,
uma alma de mulher...
Não digo que a descrença invadisse o meu Ser
assim, completamente,
mas já estava perdendo as grandes ilusões
que em moço, a gente sente...
O mundo me ensinou depressa a compreender
a dor e o sofrimento,
e cheguei a pensar só poder ser feliz
em meu isolamento...
Agora, - e é sempre assim - depois que te encontrai
minha alma se desdiz,
e volto a acreditar na esperança longínqua
de um dia ser feliz.

(JG DE ARAÚJO JORGE)


http://br.youtube.com/watch?v=6G7ZLaiPxu0


14 fevereiro 2008

XCVIII


XCVIII

E esta palavra,este papel escrito
pelas mil mãos de uma só mão,
não fica em ti,não serve para sonhos,
cai à terra:ali permanece.

Não importa que a luz ou a louvação
se derramem e saiam da taça
se foram um tenaz tremor do vinho
se tingiu tua boca em amaranto.

Não quer mais a sílaba tardia,
o que traz e retraz o arrecife
de minhas lembranças,a irritada espuma,

não quer mais senão escrever teu nome.
E ainda que o cale meu sombrio amor
mais tarde o dirá a primavera.

(Pablo Neruda)

ENVELHECER


Antes, todos os caminhos iam,
hoje, todos os caminhos vêm...
A casa é acolhedora, os livros poucos
E eu mesmo sirvo o chá para os fantasmas...

Silêncio, Solidão, Serenidade.

Quero morrer na selva de um país distante...
Quero morrer sozinho como um bicho!

Adeus, Cidade maldita.
Que lá se vai o Teu Poeta.

Adeus para sempre, Amigos...
Vou Sepultar-me no Céu!

E todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,

Eles passarão...
Eu Passarinho!


(MÁRIO QUINTANA)


Para Ser Grande


PARA SER GRANDE


Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis

(Fernando Pessoa)

13 fevereiro 2008

SER E ESTAR


SER E ESTAR

A nuvem, a asa, o vento,
a árvore, a pedra, o morto...

tudo o que está em movimento,
tudo o que está absorto...

aparente é esse alento
de vela rumando um porto

como aparente é o jazimento
de quem na terra achou conforto...

pois tudo o que é está imerso
neste respirar do universo

ora mais brando ora mais forte
porém sem pausa definida –

e curto é o prazo da vida...

(MÁRIO QUINTANA)


http://br.youtube.com/watch?v=R795KiMD4zs

Olá,Como Está?



Olá,Como Está?

este medo de ser o que eles são:
mortos.

ao menos não andam na rua, eles
têm o cuidado de ficar em casa, esses
seres pálidos que se sentam em frente à televisão,
as suas vidas cheias de risos enlatados, mutilados.

o seu bairro perfeito
de carros estacionados
de pequenos jardins
de pequenas casas
de pequenas portas que abrem e fecham
enquanto os familiares os visitam
durante as férias
as portas que se fecham
atrás dos mortos que morrem devagar
atrás dos mortos que ainda vivem
no teu normal e pacato bairro
de ruas largas
de agonia
de confusão
de horror
de medo
de ignorância.

um cão atrás de uma cerca.

um homem em silêncio numa janela.


(Charles Bukowski)




Estranha Encruzilhada


ESTRANHA ENCRUZILHADA


Não sei por que cruzou com a tua a minha estrada,
o destino é inconsciente e não sabe o que faz...
Encontro-te, e afinal, já sei que tu és amada,
encontras-me, e afinal, já é bem tarde demais...

Já não posso esquecer a existência passada,
perdi meu coração - o amor não tenho mais...
já não tens coração, e a tua alma, coitada,
sofrendo há de ficar sem me esquecer jamais...

Até hoje nesse amor não tínhamos pensado:
é por isso talvez que em silêncio tu choras,
e em silêncio também meu pranto é derramado

Eu cheguei... Tu chegaste... Estranha encruzilhada:
se eu tenho que partir depois que tu me adoras,

se, tu tens que ficar sabendo-te adorada!...

(JG DE ARAÚJO JORGE)



12 fevereiro 2008

Meu Anjo


MEU ANJO

POR QUE TANTA TRISTEZA
ANJO MEU?
POR ONDE ANDASTE? O QUE PROCURAS?
SABES QUE SOU SUA
SABES QUE TE AMO
VENHA...
POUSE SOBRE MIM
DESCANSA NO MEU AMOR
ABSORVE MEU CALOR
E VIVA MINHA VIDA
SOU SUA FADA
TE DOU MEU SANGUE
MEU AR
MINHA ENERGIA
VENHA MEU ANJO
SINTA MINHA MAGIA
E SE DELEITE NA MINHA FANTASIA
MEU ANJO
MEU SONHO
MINHA ALEGRIA

(GOTHK GIRL)

TRUQUES MECÂNICOS


TRUQUES MECÂNICOS


Tão lenta e serena e bela e majestosa vai passando a vaca
Que, se fora na manhã dos tempos, de rosas a coroaria
A vaca natural e simples como a primeira canção A vaca, se cantasse,
Que cantaria?
Nada de óperas, que ela não é dessas, não!
Cantaria o gosto dos arroios bebidos de madrugada,
Tão diferente do gosto de pedra do meio-dia!
Cantaria o cheiro dos trevos machucados.
Ou, quando muito,
A longa, misteriosa vibração dos alambrados...
Mas nada de superaviões, tratores, êmbolos
E outros truques mecânicos!

(MÁRIO QUINTANA)


NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO


NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.


(FERNANDO PESSOA)



11 fevereiro 2008

Ponto De Vista


Ponto De Vista


O grande problema
da verdade
é que cada um
só a vê
de um prisma:

O seu!

(Roder)


XCIX


XCIX


Outros dias virão,será entendido
o silêncio de plantas e planetas
e quantas coisas puras passarão!
Terão cheiro de lua os violinos!

O pão será talvez como tu és:
terá tua voz,tua condição de trigo,
e falarão outras coisas com tua voz:
os cavalos perdidos do outono.

Ainda que não seja como está disposto
o amor encherá grandes barricas
como o antigo mel dos pastores,

e tu no pó de meu coração
(onde haverá imensos armazens)
irás e voltarás entre melancias.

(Pablo Neruda)

O Luar


O LUAR


O luar, é a luz do Sol que está sonhando
O tempo não pára!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...
...os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar...
A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem...

(MÁRIO QUINTANA)


http://br.youtube.com/watch?v=8bOLkPbPCbk



Cometi Um Erro


Cometi Um Erro

Estiquei o braço até ao cimo do roupeiro
e tirei de lá umas cuequinhas azuis
mostrei-lhas e
perguntei “são tuas?”
e ela olhou e disse,
“não, essas pertencem a um cão.”
depois disso saiu e não a voltei a ver
desde então. não está em casa.
continuo a ir lá, deixo recados presos
à porta. eu volto e os recados
lá permanecem. pego na cruz de Malta
corto-a do meu retrovisor, ato-a
à maçaneta com um atacador, deixo
um livro de poemas.
quando volto na noite seguinte está tudo
na mesma.
continuo a procurar pelas ruas aquele
couraçado cor-de-vinho que ela conduz
com uma bateria nas lonas, e as portas
penduradas por um fio.
ando às voltas pelas ruas
quase a choramingar,
envergonhado com o meu sentimentalismo e
possível paixão.
um velho homem confuso a conduzir à chuva
a pensar para onde a boa sorte
terá ido.

(Charles Bukowski)

Resíduo


RESÍDUO


De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficam poucas
roupas, poucos véus rotos,
pouco, pouco, muito pouco.

Mas tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
de teu áspero silêncio um pouco ficou um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
nos pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
em pouco de mim algures?
no consoante?
no poço

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...

De tudo fica um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
do vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver...de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas tudo, terrível, fica um pouco.
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço do cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)


10 fevereiro 2008

Consciência


Consciência


Presente divino?
Resultado de um longo processo?
ou
Apenas um acaso?
Não importa...

Esta faca de dois gumes,
chamada consciência,
é que nos põe
entre o Céu e o Inferno
da existência.


E,no final,
Aonde nos levará?
Onde ela,animal
eternamente indomado,
decidir nos deixar.

(Roder)



C


C

No meio da terra afastarei
as esmeraldas para divisar-te
e tu estarás copiando as espigas
com tua pluma de água mensageira.

Que mundo!Que profundo perrexil!
Que nave navegando na doçura!
E tu talvez e eu talvez topázio!
Já divisão não haverá nos sinos.

Já não haverá senão todo o ar liberto,
as maçãs transportadas pelo vento,
o suculento livro na ramgem,

e ali onde respiram os cravos
fundaremos um traje que resista
de um beijo vitorioso a eternidade.

(Pablo Neruda)



Ao Quinto Império


AO QUINTO IMPÉRIO


Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa--- os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?


(FERNANDO PESSOA)

Esquecimento


ESQUECIMENTO


Mais tarde em tua vida, um dia, hás de tentar
revolver da memória este tempo de agora...
Mas o mundo é uma praia, onde as ondas do mar
apagam quase sempre as lembranças de outrora...

Hás de em vão, ao teu Deus, esse Dom suplicar
sem conseguires nunca o que a tua alma implora...
É que a vida é uma fonte, a correr sem parar
e a seguir, sem voltar, por este mundo afora...

Não se vive outra vez... O que chamas presente,
há de ser, amanhã, um romance apagado
que em vão procurarás reler, inutilmente...

O tempo tudo vence... Tudo ele consome...
E se um dia, talvez, lembrares teu passado
não mais hás de sequer reconhecer meu nome!...


(JG DE ARAÚJO JORGE)