31 julho 2010

Questão De Fé



Questão De Fé



A maior decepção

Não é ser surpreendido

Por alguém ao acaso.



Mas confirmar

O que tínhamos certeza

Que iria acontecer.



E mesmo assim

Tentar mudar

O seu inevitável destino.



( Roder )

Todas As Cartas De Amor São Ridículas


Todas As Cartas De Amor São Ridículas



Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas.)


( Álvaro de Campos )

INSUFICIENTE


INSUFICIENTE



seco timbre de palavra

roubo de atenção

miserável



no fundo da boca

farejam enterradas

variações que se debatem



uma mulher adulta

conhece o sol fervente

e as cores outonais



Uma mulher madura

é ausente de florações

e nascentes



Umas mulher madura

é feita de invernos



Uma mulher madura

inverna

diariamente


( Liana Timm )

Dentre Todas As Almas Já Criadas


Dentre Todas As Almas Já Criadas


Dentre todas as Almas já criadas -

Uma - foi minha escolha -

Quando Alma e Essência - se esvaírem -

E a Mentira - se for -



Quando o que é - e o que já foi - ao lado -

Intrínsecos - ficarem -

E o Drama efêmero do corpo -

Como Areia - escoar -



Quando as Fidalgas Faces se mostrarem -

E a Neblina - fundir-se -

Eis - entre as lápides de Barro -

O Átomo que eu quis!
 
 
( Emily Dickinson )

Talvez Haja Apenas Um Pecado...


"Talvez haja apenas um pecado capital: a impaciência. Devido à impaciência, fomos expulsos do Paraíso; devido à impaciência, não podemos voltar."



( Franz Kafka )

Equação



Equação



Na grande equação

Da nossa relação

Adicionamos a esperança

Subtraímos o impossível

Fracionamos a culpa

E multiplicamos o desejo

Para podermos ter certeza

Que um mais um

Pode ser um só!



( Roder )

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO


CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO


Eu sou um homem fechado.

O mundo me tornou egoísta e mau.

E a minha poesia é um vício triste,

Desesperado e solitário

Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,

Com o teu passo leve,

Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender

nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil

Aonde viessem pousar os passarinhos.


( Mario Quintana )

As Paixões São...


"As paixões são os ventos que enfunam as velas dos barcos, elas fazem-nos naufragar, por vezes, mas sem elas, eles não poderiam singrar."



( Voltaire )

Ele Fixara Em Deus...


"Ele fixara em Deus aquele olhar de esmeralda diluída, uma leve poeira de ouro no fundo. E não obedeceria porque gato não obedece. Às vezes, quando a ordem coincide com sua vontade, ele atende mas sem a instintiva humildade do cachorro, o gato não é humilde, traz viva a memória da sua liberdade sem coleira. Despreza o poder porque despreza a servidão. Nem servo de Deus. Nem servo do Diabo."

( Lygia Fagundes Telles )

O Que Eu Adoro Em Ti


O Que Eu Adoro Em Ti


Não é a tua beleza

A beleza é em nós que existe

A beleza é um conceito

E a beleza é triste

Não é triste em si

Mas pelo que há nela

De fragilidade e incerteza



O que eu adoro em ti

Não é a tua inteligência

Não é o teu espírito sutil

Tão ágil e tão luminoso

Ave solta no céu matinal da montanha

Nem é a tua ciência

Do coração dos homens e das coisas.



O que eu adoro em ti

Não é a tua graça musical

Sucessiva e renovada a cada momento

Graça aérea como teu próprio momento

Graça que perturba e que satisfaz



O que eu adoro em ti

Não é a mãe que já perdi

E nem meu pai



O que eu adoro em tua natureza

Não é o profundo instinto matinal

Em teu flanco aberto como uma ferida

Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.



O que adoro em ti lastima-me e consola-me:

O que eu adoro em ti é a vida!


( Manuel Bandeira )

30 julho 2010

Livro Aberto


Livro Aberto



Do mesmo modo inesperado

Que entraste

Em minha história

Saíste



Como páginas que podem

Ser rasgadas

Mas que não devem

Ser apagadas

Da memória



A minha vida

É um livro aberto

Com várias páginas

Arrancadas



( Roder )

Quando Se Respeita Alguém...


"Quando se respeita alguém não queremos forçar a sua alma sem o seu consentimento."




( Simone de Beauvoir )

Pecado Original


Pecado Original



Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?

Será essa, se alguém a escrever,

A verdadeira história da humanidade.

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;

O que não há somos nós, e a verdade está aí.

Sou quem falhei ser.

Somos todos quem nos supusemos.

A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?

Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas

Sobre o parapeito alto da janela de sacada,

Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?

Que é de mim, que sou só quem existo?

Quantos Césares fui!

Na alma, e com alguma verdade;

Na imaginação, e com alguma justiça;

Na inteligência, e com alguma razão —

Meu Deus! meu Deus! meu Deus!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!


( Álvaro de Campos )

O Que Eu Quero


O QUE EU QUERO



o que eu quero?

uma vida onde o embaraço silencie

o disfarce

onde a confissão discuta

as trevas



não quero a afinação das mágoas

quero sim questões



que desalinhem


( Liana Timm )

O Homem...


"O homem tem de se inventar todos os dias."



( Jean-Paul Sartre )

29 julho 2010

Absoluto



Absoluto



Os sonhos

Os desejos

Os delírios

O prazer

A alegria

A tristeza

O Céu

O Inferno

Deus...



São elementos

Que possuem um controle

Sobre os homens

Os guiando daqui para lá,

De lá para cá.



Sem ao menos sabermos,

Que nós é que os levaremos

Eternamente conosco

Quando não existirmos mais.



( Roder )

Canção Da Torre Mais Alta


Canção Da Torre Mais Alta




Mocidade presa

A tudo oprimida

Por delicadeza

Eu perdi a vida.

Ah! Que o tempo venha

Em que a alma se empenha.



Eu me disse: cessa,

Que ninguém te veja:

E sem a promessa

De algum bem que seja.

A ti só aspiro

Augusto retiro.



Tamanha paciência

Não me hei de esquecer.

Temor e dolência,

Aos céus fiz erguer.

E esta sede estranha

A ofuscar-me a entranha.



Qual o Prado imenso

Condenado a olvido,

Que cresce florido

De joio e de incenso

Ao feroz zunzum das

Moscas imundas.


( Arthur Rimbaud )

Os Homens Graves E Melancólicos


"Os homens graves e melancólicos ficam mais leves graças ao que torna os outros pesados, o ódio e o amor, e assim surgem de vez em quando à sua superfície."


( Friedrich Nietzsche )

O Que A Memória Ama


O Que A Memória Ama


O que a memória ama, fica eterno.

Te amo com a memória, imperecível.


( Adélia Prado )

28 julho 2010

Maniqueísmo Cinzento


Maniqueísmo Cinzento



Num mundo

Em que somente

Queremos definir

Simplesmente tudo

Em certo

Ou errado.



Esquecemos

De ver que as verdadeiras cores

De cada coisa

Não se definem

Apenas em preto

E branco



Mas sim em tons de cinza,

Ora mais claros,

Ora mais escuros,

Mas tudo

Em uma coisa só.



( Roder )

Os Poemas


OS POEMAS


Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam vôo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto;

alimentam-se um instante em cada

par de mãos e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti...



( Mario Quintana )

Realidade



Realidade



Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos...

Nada está mudado — ou, pelo menos, não dou por isto —

Nesta localidade da cidade ...

Há vinte anos!...

O que eu era então! Ora, era outro...

Há vinte anos, e as casas não sabem de nada...

Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram!

Sei eu o que é útil ou inútil?)...

Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)

Tento reconstruir na minha imaginação

Quem eu era e como era quando por aqui passava

Há vinte anos...

Não me lembro, não me posso lembrar.

O outro que aqui passava, então,

Se existisse hoje, talvez se lembrasse...

Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro

De que esse eu-mesmo que há vinte anos passava por aqui!

Sim, o mistério do tempo.

Sim, o não se saber nada,

Sim, o termos todos nascido a bordo

Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer...

Daquela janela do segundo andar, ainda idêntica a si mesma,

Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais

lembradamente de azul.

Hoje, se calhar, está o quê?

Podemos imaginar tudo do que nada sabemos.

Estou parado físisca e moralmente: não quero imaginar nada...

Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro,

Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado,

Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente.

Quando muito, nem penso...

Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,

Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.

Olhamos indiferentemente um para o outro.

E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol,

E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.

Talvez isso realmente se desse...

Verdadeiramente se desse...

Sim, carnalmente se desse...

Sim, talvez...


( Álvaro de Campos )

A Serenata


A Serenata


Uma noite de lua pálida e gerânios

ele virá com a boca e mão incríveis

tocar flauta no jardin.

Estou no começo do meu dessespero

e só vejo dois caminhos:

ou viro doida ou santa.

Eu que rejeito e exprobo

o que não for natural como sangue e veias

descubro que estou chorando todo dia,

os cabelos entristecidos,

a pele assaltada de indecisão.

Quando ele vier, porque é certo que vem,

de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?

A lua, os gerânios e ele serão os mesmos

- só a mulher entre as coisas envelhece.

De que modo vou abrir a janela,se não for doida?

Como a fecharei, se não for santa?


( Adélia Prado )

Jesus Cristo Superstar


Jesus Cristo Superstar



Homem

Que mudou a História

Com dois conceitos:

Amor e perdão.



Visionário

De princípios

Indo até o fim

Para provar o seu ponto de vista



Que foi além

Da carne

Para provar o que era

O espírito!



( Roder )

Das Utopias



DAS UTOPIAS



Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos se não fora

A mágica presença das estrelas!



( Mario Quintana )

Minha Boêmia ( Fantasia )



Minha Boêmia (Fantasia)



Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos;

Meu paletó também tornava-se ideal;

Sob o céu, Musa! Eu fui teu súdito leal;

Puxa vida! A sonhar amores destemidos!



O meu único par de calças tinha furos.

- Pequeno Polegar do sonho ao meu redor

Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.

- Os meus astros nos céus rangem frêmitos puros.



Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,

Nas noites de setembro, onde senti tal vinho

O orvalho a rorejar-me as fronte em comoção;



Onde, rimando em meio à imensidões fantásticas,

Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas

E tangia um dos pés junto ao meu coração!



( Arthur Rimbaud )

A Morte Absoluta


A Morte Absoluta



Morrer.

Morrer de corpo e de alma.

Completamente.





Morrer sem deixar o triste despojo da carne,

A exangue máscara de cera,

Cercada de flores,

Que apodrecerão - felizes! - num dia,

Banhada de lágrimas

Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.





Morrer sem deixar porventura uma alma errante...

A caminho do céu?

Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?





Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,

A lembrança de uma sombra

Em nenhum coração, em nenhum pensamento,

Em nenhuma epiderme.





Morrer tão completamente

Que um dia ao lerem o teu nome num papel

Perguntem: "Quem foi?..."





Morrer mais completamente ainda,

- Sem deixar sequer esse nome.


( Manuel Bandeira )