30 novembro 2007

O Mapa


O MAPA


Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...


(MÁRIO QUINTANA)




A Você


A Você

Hoje me confirmaram algo que não queria acreditar sinto um aperto no peito e uma vontade de gritar.
Quero você de novo, mas só pra mim. Fez-me feliz e “acho” que o fiz também. Sei que ainda te amo e não vou te esquecer nunca, mas talvez agora você fique muito ocupado e não tente (queira) mais voltar para mim, pois, admita, apesar de outras coisas nossos momentos sempre foram bons e agora eu quero tê-lo de volta.
Quem sabe eu não possa suportar saber que você nunca mais irá voltar, perdoe-me por estar assim mas sempre te amarei e preocuparei-me contigo, e saiba que o que mais peço aos Deuses é que eles me tragam você de volta e que possamos ser felizes.
Espero ter sido algo bom em sua vida e ter te ensinado algo de valor, pois eu aprendi muito com nossa história.
Eu me culpo pelas coisas que acontecem contigo, pois talvez, se eu estivesse ao seu lado, determinadas coisas não aconteceriam, seja muito feliz, mesmo distante, afinal sempre ofereci a minha pela sua.

(G. Cult)




O CÍRCULO COMPLETO


O CÍRCULO COMPLETO

Estrelas estão caindo ao fundo na escuridão
Como oradores,levantam delicadamente pétalas ao anoitecer
E como eu ouvi,sua voz parecia tão clara
Então calmamente você estava chamando o seu Deus

Em algum lugar o sol se levanta,sobre as dunas no deserto
Era como um silêncio que eu nunca senti antes
Esta era a questão,empurrando,empurrando,empurrando você
No seu coração,na sua alma,você já encontrou descanso lá?

Em outra parte uma nevasca,a primeira no inverno,
Cobriu o chão como os sinos preenchem o ar
Você em suas túnicas canta,chamando-o,chamando-o,chamando-o
Em seu coração,em sua alma,você encontrou paz lá?

( Loreena McKennitt,in The Mask and The Mirror )


http://br.youtube.com/watch?v=rAyf_vnUdmo

A Poesia



A Poesia


A poesia,
para mim,
deve ser como a vida:
imprevisível, inesperada.

O verso pode ser livre,
a métrica pode variar
e as regras podem ser desrespeitadas.
Com todos os temas possíveis,
o etéreo, o fugaz, o amor,
as pessoas.

Ela pode ser triste
ou talvez alegre.
Apenas com uma regra fundamental:
vir do coração.


(Didio)




AURORA SERTANEJA


AURORA SERTANEJA


Há silêncio na sombra, e o choro das ramadas
é a música da noite em plena solidão...
A lua se desmancha em luz na escuridão,
prateando a areia branca e fina das estradas...

As matas, raramente, aqui e ali, rasgadas
pelos raios do luar - deixam ver pelo chão,
ora um curso de riacho em suave lentidão,
ora as cinzas e os paus no claro das queimadas

Na frescura do espaço há místicos perfumes,
e na noite sensual, como estrelas errantes,
cintilam, sem parar, milhões de vaga-lumes...

E em meio à natureza encantada e pagã,
no estojo azul do céu, bordado de brilhantes,
multicor vai se abrindo o leque da manhã! ...

(JG DE ARAÚJO JORGE)



29 novembro 2007

Grandeza Oculta


GRANDEZA OCULTA


Estes vão para as guerras inclementes,
Os absurdos heróis sanguinolentos,
Alvoroçados, tontos e sedentos
Do clamor e dos ecos estridentes.

Aqueles para os frívolos e ardentes
Prazeres de acres inebriamentos:
Vinhos, mulheres, arrebatamentos
De luxúrias carnais, impenitentes.

Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
Que abriste com teu Gênio fundas brechas
no mundo vil onde a maldade exulta,

Ó delicado espírito de Lendas!
Fica nas tuas Graças estupendas,
No sentimento da grandeza oculta!


(Cruz E Sousa)




Parabéns,Chinaski



Parabéns, Chinaski


à medida que me aproximo dos 70
recebo cartas, postais, pequenos presentes
de completos estranhos.
parabéns, eles dizem-
-me,
parabéns

eu sei o que querem dizer:
depois de ter vivido como vivi
eu já deveria estar morto há muito
mais tempo

acumulei uma grande série de
asneiras, fui
descuidado comigo próprio
quase até à
loucura,
mas ainda aqui estou
curvado sobre esta máquina
neste quarto cheio de fumo,
com um grande cesto azul do lixo à minha
esquerda
cheio de caixas
vazias

os médicos não têm respostas
e os deuses estão
silenciosos

parabéns, morte,
pela tua paciência.
eu ajudei-te em tudo aquilo que
consegui

agora mais um poema
e um passeio na varanda,
está uma noite maravilhosa

estou de calções e meias,
coço devagar a minha velha
barriga,
olha para ali
olha para ali
onde a noite encontra a noite

tem sido um jogo
do caraças


(Charles Bukowski)

O Mundo É Grande


O MUNDO É GRANDE


O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


(Carlos Drummond De Andrade)

28 novembro 2007

OS POEMAS


OS POEMAS


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

(MÁRIO QUINTANA)




AS ESTAÇÕES DO AMOR...


AS ESTAÇÕES DO AMOR...


Eu tinha para mim que eras pura e sincera,
e por isso, talvez acreditei em ti...
Nesse tempo, em meu ser, fazia a primavera
e as flores do meu sonho em minha alma colhi...
Depois... Foi de repente... Ao passar da estação,
tornou-se o meu amor maior... e mais ardente...
Havia no meu peito o calor do verão,
e julguei que eras minha, minha inteiramente...
E o tempo foi passando... E tudo, pouco a pouco
mudou - e me senti num completo abandono...
Caíram para sempre as ilusões - e eu, louco,
as vi secar no chão como folhas de outono...
E um dia... Veio o inverno insípido e tristonho,
- fazia muito frio... e em minha alma nevou...
E a neve foi caindo, e sepultou meu sonho

As estações do tempo... As estações do amor...
Parecem muito iguais... e diferem no entanto,
naquelas há o voltar da alegria e da cor
ao de novo surgir, da primavera , o encanto...
Mas nas outras, depois do inverno, nada existe...
Tudo é branco... tristonho... frio e desolado,
- recorda-se a chorar - e vê-se o como é triste
lembrar a primavera antiga do passado !...


(JG DE ARAÚJO JORGE)




MEU CORAÇÃO É UM ALMIRANTE LOUCO


MEU CORAÇÃO É UM ALMIRANTE LOUCO


Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...


(FERNANDO PESSOA)





27 novembro 2007

Três Laranjas





Três Laranjas

a primeira vez que o meu pai reparou que eu ouvia
esta música ele perguntou-me,
“o que é isso?”
“chama-se Amor por Três Laranjas”,
informei-o.
“rapaz”, disse, “isso é pagá-lo
barato”.
referia-se a sexo.
ao ouvi-la
eu sempre imaginei três laranjas
sentadas ali,
vocês sabem o quanto laranja elas conseguem
ficar,
um laranja forte.
talvez Prokofiev quisesse dizer
aquilo que o meu pai
pensou.
se assim foi, eu prefiro pensar
da outra maneira
a coisa mais horrível
que eu consegui imaginar
foi parte de mim ser
ejaculado da
ponta do seu
pênis estúpido.
nunca lhe irei perdoar
por isso,
por esta vigarice a que estou
condenado,
não encontro nobreza na
paternidade.
digo mesmo matem o Pai
antes que ele faça mais
alguém parecido
comigo.



(Charles Bukowski)

http://br.youtube.com/watch?v=z2zENgSWR90&feature=related

Cogitação


COGITAÇÃO


Ah! mas então tudo será baldado?!
Tudo desfeito e tudo consumido?!
No Ergástulo d'ergástulos perdido
Tanto desejo e sonho soluçado?!

Tudo se abismará desesperado,
Do desespero do Viver batido,
Na convulsão de um único gemido
Nas entranhas da Terra concentrado?!

nas espirais tremendas dos suspiros
A alma congelará nos grandes giros,
Rastejará e rugirá rolando?!

Ou entre estranhas sensações sombrias,
Melancolias e melancolias,
No eixo da alma de Hamlet irá girando?!


(CRUZ E SOUSA)

Mais Que Viver



Mais Que Viver

O sol levanta-se aos poucos
seus belos dedos surgem.
Uma sombra cintilante
torna a pintura perfeita.

As palavras são entoadas
e belamente pronunciadas
seus lábios as engrandecem
e detalhes são percebidos,
a luz que se aproxima
dos olhos enche o coração.

Te observarei sem parar
por dias e noites consecutivas
e faria a lista mais detalhada
de sua perfeição escondida.

Os cabelos que os olhos ressaltam
O olhar que os lábios entoam
O sorriso que seduz
As mãos rusticamente delicadas
A alma grande no corpo pequeno
Assim tu és, e por assim ser,
As luzes não se apagam.

(G. Cult)

Dizeres...


DIZERES...

Grace is when God give us
what we don´t deserve and mercy
is when God doesn´t give us
what we do deserve...

(GARTH BROOKS)


XI

Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...

Para que é preciso ter um piano ?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.

(ALBERTO CAEIRO)

II

Sinto que a poesia
tem uma grande morada dentro de você,
já que ela anda distante de mim,
poderei
ir morar aí
com ela ?


(BETE)




26 novembro 2007

RECORDO AINDA


RECORDO AINDA


Recordo ainda...E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

(MÁRIO QUINTANA)

AH, MAS AQUI ONDE IRREAIS ERRAMOS


AH, MAS AQUI ONDE IRREAIS ERRAMOS


Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosacruz conhece e cala.

(FERNANDO PESSOA)

AQUELE MEU BALÃO...


AQUELE MEU BALÃO...


Levei o dia todo, a minha tarde inteira,
não joguei futebol e até nem quis brincar
de soldado e ladrão...
Ajoelhado na sala, a minha brincadeira
foi cortar os papeis de cores, e os juntar
fazendo o meu balão...

Só tarde, quando o céu, lá na altura se encheu
de outros muitos balões - eu o levei para a rua
entre grande escarcéu...
Nem sei como o fizera - era mais alto que eu!...
havia de passar bem juntinho da lua
até tocar no céu!...

Olhando-o não cabia em mim minha alegria,
e a todos, um a um, apontava contente:
- vê? Fui eu que fiz...
Depois... Eu o acendi... Que bola ele fazia!...
- Foi inchando... crescendo... encheu completamente!...
Como fiquei feliz!...

Afinal... vendo-o cheio a vacilar... Soltamos!...
E ele ergueu-se no espaço... e em coro a garotada
gritou numa explosão:
Vai subir !... Vai subir !... Mas, logo nos calamos...
Na noite de luar, na noite enluarada
- pegou fogo o balão !...

Hoje, às vezes, me lembro do balão queimado
e choro ao reviver as cousas do passado
que o tempo sepultou...
- É que eu fiz, outra vez, depois daquela idade,
um balão bem maior: - o da Felicidade
que a vida incendiou !...

(JG DE ARAÚJO JORGE)

25 novembro 2007

Crisol


CRISOL

Sabes aquele beijo que me destes para guardar...
Ele molha meus lábios;
queima em minha saudade.
Sufoca os olhos nas lembranças de outrora.
Quando louca beijavas tua boca;
ouvia a tua voz acariar meu ouvido
e sentia nosso corpo sem sentir a vida.
Sabes aquele beijo que me destes para guardar...
Ele queima em minha saudade.
Condena os momentos em que não estas;
transforma os segundos em eternos.
Sabes aquele beijo que me destes para guardar...
Estas trancado em redoma de vidro dentro do meu peito,
pois,
é como o bom vinho;
Que escoa suavemente entre meus lábios e dentes.
Saciando a sede de ti.
Embriagando, meu corpo viciado e dependente!
Sabes aquele beijo que me destes para guardar...
Exala como fogo em meu corpo e
queima em minha saudade...


(Gabriela Camargo)

Feriado



Feriado

Perdi a hora
e não fui trabalhar.
Me amaldiçoei por não ter ouvido o despertador.
Pensei melhor e resolvi me dar
este direito.
Hoje vai ser dia para celebração.
É feriado nacional,
hoje é o meu dia mundial da preguiça
mesmo sabendo que o resto do mundo
continua a trabalhar.

(Didio)

EM SOLITUDE GLACIAL


EM SOLITUDE GLACIAL


Procura a tua felicidade em fazer felizes os outros.
Pensa sempre em dar - e nunca em receber.
Dá-te aos homens aos quais possas ser
pai, filho, irmão, amigo, servo samaritano, redentor.

Sê como o sol ardente no espaço glacial do universo,
irradiando perenemente luz e calor,
ainda que nada recebas em retribuição.

Lá se vão, dia a dia, esses oceanos de claridade solar,
perdendo-se na vastidão do cosmos circunjacente,
abismando-se na imensa frialdade do vácuo...

Consome-se o grande astro, há milhares de milênios,
na vasta solitude do deserto cósmico, sem jamais perceber
o menor efeito da sua constante irradiação.

Verdade é que, à distância de 150 milhões de quilômetros
do seu foco, existe um pequeno planeta em cuja superfície
produzem os raios solares epopéias de vida e beleza
e desenham no espaço fantásticas pontes de sete cores
mas o Sol nada disso sabe, nada disso vê,
nada disso sente nem adivinha...

A sua solidão é absoluta...

Assim, meu ignoto amigo, há de fatalmente acontecer
a ti, a mim, a todos nós que
queremos fazer o bem por causa do bem...

-Há mais felicidade em dar que em receber-...

Deus, o grande sol do universo espiritual,
dá tudo e não recebe nada.

E quanto mais o homem se aproxima de Deus,
mais participa desta felicíssima infelicidade,
de sempre dar sem nunca receber.

Só pode dar sempre sem abrir falência o homem que
dentro do próprio Eu possui inesgotável fonte de riqueza.

Não te iludas, meu amigo!
Serás como uma voz a clamar no deserto...

Uma voz que, talvez, não desperte nenhum eco
de amizade e compreensão, no silencioso Saara das almas...

Talvez não surja no horizonte nenhum oásis
de benevolência e amor, por mais que os teus olhos
sedentos interroguem a intérmina monotonia do areal...

Entretanto, continua a dar aos homens o que tens
e o que és - porque é divinamente belo
dar sem esperança de receber.

Consome-te, solitário astro de incompreendido amor,
exaure-te em pleno deserto de indiferença e ingratidão...

Ainda que nada percebas dos efeitos da tua irradiação,
algures, é certo, brotam flores, cantam passarinhos,
brilham olhos, sorriem lábios infantis,
rejubilam corações humanos
-porque tu, herói anônimo, existes,

Vives...

Oras...

Amas...

Sofres...

(HUBERTO ROHDEN)

24 novembro 2007

Uma Salvação Tola...


Talvez a literatura seja uma salvação tola. Seja colocar uma corda no próprio pescoço à espera que o puxão te leve para outro lugar.Outro lugar...

Se ela mesma, cínica, é tão cheia de seus lugares secretos, travestidos, revirados. Meus olhos a vêem escondida, à espreita. E dá o bote quando a gente passeia despreocupada, é a serpente. Me pega num domingo no cinema, segundos antes do beijo. Atrapalha a dança abraçada, me faz tropeçar pelas calçadas, me derruba o copo cheio da mão. Me enrola a língua quando penso na declaração.

Pensando assim, acho que Drummond sempre esteve certo:“A literatura estragou tuas melhores horas de amor.”


(Samantha Abreu)

Poema Que Rima:



Poema Que Rima:


o peixe dourado canta a noite toda com guitarras,
e as putas vão deitar-se com as estrelas,
as putas vão deitar-se com as estrelas

peço desculpa, senhor, fechamos às 4:30,
aliás o pescoço da tua mãe está sujo,
e as putas vão deitar-se com as etc.,
as p. vão d. com as etc.

peço desculpa zé não podes voltar,
apaixonei-me por outro fraco,
¾ Italiano e ½ Japonês,
e as putas vão
as putas vão
etc.


(Charles Bukowski)




NÃO SE MATE


NÃO SE MATE


Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor, no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)



CÁRCERE DAS ALMAS


CÁRCERE DAS ALMAS


Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!


(CRUZ E SOUSA)




23 novembro 2007

OBSESSÃO DO MAR OCEANO


OBSESSÃO DO MAR OCEANO


Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto, Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

(MÁRIO QUINTANA)



ANSEIO POR UM FOGO VIVO


ANSEIO POR UM FOGO VIVO


Quantas vezes, em horas de quietude,
Anseio por uma vida de luz e de paz,
Uma vida de harmonia, segurança, felicidade!
Quantas vezes entrevejo, ao longe,
Um reino de beatitude e de amor,
A acenar-me suavemente!...

E, nesses momentos de quietude dinâmica,
Eu me sinto assaz forte
Para superar todos os óbices
E romper caminho através dos impossíveis.
Mas... após dias, semanas e meses,
Desfalecem-me as forças...
Tudo em derredor é deserto árido...
Fastidiosa monotonia...
Cinzento areal...
Triste mediocridade...
E tão fácil começar,
Tão difícil continuar,
Dificílimo terminar...
E, perdendo de vista os longínquos páramos,
Eu me conformo novamente
Com a velha e cômoda rotina
Da vida horizontal de sempre...
Se todos assim vivem e vegetam,
Por que deveria eu ser uma exceção?
Não é isto tentação do meu lúcifer de dentro?
Querer ser herói e super-homem?...
E o meu velho egoísmo acomodatício
Doura de virtude a minha covardia...

Minha alma, porém, insatisfeita,
Continua a clamar pela luz,
Continua a ansiar pela paz imperturbável...
Mas essa luz e essa paz são filhas do sofrimento.
E eu ainda não sofri bastante...
Todas as minhas teses e teorias
Por mais verdadeiras e boas,
São como fogo pintado, artisticamente pintado
Na tela do meu ego...
Fogo fictício, sem luz nem calor...
Importa que sobre mim desabem
Dilúvios de dores,
Infernos de sofrimentos,
Oceanos de decepções,
Para que a fria inércia do meu fogo fictício
Se converta na ardente dinâmica de um fogo real!
Por isto, Senhor, não te peço que me poupes
Dores e decepções,
Rogo-te apenas as ponhas a serviço
Da minha cristificação,
Para que eu me realize plenamente
Em Cristo!...
Que eu seja crucificado, morto e sepultado,
Entre o Getsêmane e o Gólgota,
E ressuscite para uma vida nova,
Vida liberta dessas pequenas e grandes misérias
Que ainda me prendem a uma zona que não é minha...
Vida liberta, finalmente,
Desses ídolos e fetiches
Do meu velho ego...
Realizado em mim
A nova creatura em Cristo.

(Huberto Rohden)

ADORMECER


ADORMECER


Muita vez, no silêncio, enquanto a noite desce
e pousa sobre a terra o seu manto dourado
de estrelas, no meu quarto, a sós, abandonado,
não tenho pelo mundo o mínimo interesse...

Mas, não sei bem dizer... dentro em meu peito cresce
um sonho, e, de repente, eu sinto, consolado
que alguém vem para mim, que alguém vem ao meu lado,
e me diz bem baixinho alguma estranha prece...

Então, tomo da pena, e espero calmamente...
Uma noite, porém, me lembro, adormeci
sentindo esse esplendor de um céu que está contente,

e não pus no papel mais que um nome sequer...
E só quando acordei, na folha branca, eu vi
que apenas tinha escrito um nome de mulher...

(JG DE ARAÚJO JORGE)




22 novembro 2007

PARA SEMPRE


PARA SEMPRE


Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)




DAS CANÇÕES DA EXPERIÊNCIA


DAS CANÇÕES DA EXPERIÊNCIA
O PREÇO DA EXPERIÊNCIA


Qual é o preço da experiência? Os homens a adquirem com uma canção?

Ganham sabedoria dançando nas ruas? Não, ela é comprada pelo preço

De tudo que um homem tem, sua moradia, sua esposa, seus filhos.

A sabedoria é vendida num mercado sombrio onde ninguém vem comprar,

E no campo infecundo que o fazendeiro lavra em vão por seu pão.

É fácil vencer sob o sol do verão

E na colheita cantar na carroça abarrotada de grãos.

É fácil dizer da cautela aos aflitos,

Falar das leis da prudência ao andarilho sem abrigo,

Ouvir o grito faminto do corvo na estação invernal,

Quando o sangue vermelho mistura-se ao vinho e ao tutano do cordeiro.

É tão fácil sorrir perante a ira da natureza,

Ouvir o uivo do cão ante a porta no inverno, e o boi mugindo no matadouro;

Ver um deus em cada brisa e uma bênção em cada tempestade.

Ouvir o som do amor no raio que arruína a casa do inimigo;

Regozijar-se diante da praga que toma o seu campo, e da doença que ceifa seus filhos

Enquanto nossas oliveiras e nosso vinho cantam e riem na frente da porta,

e nossos filhos nos trazem frutas e flores.

Então o lamento e a dor estão quase esquecidos, assim como o escravo que roda o moinho,

E o escravo acorrentado, o pobre prisioneiro, e o soldado no campo de batalha,

Quando os ossos quebrados deixam-no gemendo à espera da morte feliz.

É fácil regozijar-se sob a tenda da prosperidade:

Eu poderia cantar e me regozijar dessa maneira: mas eu não sou assim.


(WILLIAM BLAKE)

BENDITAS CADEIAS


BENDITAS CADEIAS


Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.

Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos...
Meus olhos, minha boca vão sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.

Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.

De ver minh'alma com tais sonhos, tantos,
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos.

(CRUZ E SOUSA)



21 novembro 2007

De Volta À Metralhadora



De Volta À Metralhadora

acordo por volta do meio-dia e saio para ver o correio
no meu velho e desfeito roupão.
estou de ressaca
o cabelo a cair-me para os olhos
descalço
andando com cautela em cima das pedras afiadas
do meu caminho
escondendo a dor atrás da minha barba de quatro dias.

a jovem dona de casa da porta ao lado sacode um tapete
à janela e vê-me:
“olá, Hank!”

raios partam! é quase como levar um tiro no cu
de uma calibre 22

“olá,” digo eu
enquanto apanho a conta do Visa, os cupões do Pennysaver*
uma notificação do Dep. da Água e Electricidade,
uma carta do pessoal da hipoteca
mais uma ordem do Departamento de Saneamento
a dar-me 30 dias para limpar o que é meu.

regresso outra vez devagar pelas pedras afiadas
a pensar, talvez seja melhor escrever alguma coisa hoje à noite,
parece que eles todos
estão a aproximar-se.

só há uma maneira de lidar com esses filhos da puta.

as corridas de logo à noite vão ter que esperar.


(Charles Bukowski)




A CANÇÃO DA VIDA


A CANÇÃO DA VIDA


A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

(MÁRIO QUINTANA)

ADAGAS CUJAS JÓIAS VELHAS GALAS


ADAGAS CUJAS JÓIAS VELHAS GALAS


Adagas cujas jóias velhas galas...
Opalesci amar-me entre mãos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convés sem ninguém cheio de malas...

O íntimo silêncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de ócio e salas...

Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estruge

Sua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mãos pararam
E indefinidamente repousaram...


(FERNANDO PESSOA)

20 novembro 2007

VIDA OBSCURA


VIDA OBSCURA


Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

(CRUZ E SOUSA)


LIRA ROMANTIQUINHA


LIRA ROMANTIQUINHA


Por que me trancas
o rosto e o riso
e assim me arrancas
do paraíso?

Por que não queres,
deixando o alarme
(ai, Deus: mulheres!),
acarinhar-me?

Por que cultivas
as sem perfume
e agressivas
flores do ciúme?

Acaso ignoras
que te amo tanto,
todas as horas,
já nem sei quanto?

Visto que em suma
é todo teu,
de mais nenhuma,
o peito meu?

Anjo sem fé
nas minhas juras,
porque é que é
que me angusturas?

Minh'alma chove
frio, tristinho.
Não te comove
este versinho?


(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)



A VIDA QUE EU SONHEI


A VIDA QUE EU SONHEI


Eu sonhei para mim, uma vida discreta
num lugar bem distante, a sós, tendo-te ao lado
num castelo que fiz lá num reino encantado,
nesse reino que eu chamo o coração de um poeta...

Sonhei... Vi-me feliz na solidão de asceta,
bem longe deste mundo, a rir, despreocupado...
acordando a escutar no arvoredo o trinado
das aves, e a dormir fitando a lua inquieta...

Vivia na ilusão daquele que ainda crê,
na vida, e o meu amor, eu o tinha idealizado
no romance de um lar coberto de sapê...

Mentiras que eu sonhei!... No entanto hoje me ponho
muita vez a pensar no tal reino encantado
e sinto uma saudade imensa do meu sonho!...

(JG DE ARAÚJO JORGE)




19 novembro 2007

AH! OS RELÓGIOS


AH! OS RELÓGIOS


Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são...

(MÁRIO QUINTANA)

A Imagem Divina


A IMAGEM DIVINA


Ao Perdão, Piedade, Paz e Amor,
Todos clamam na aflição:
E para essas virtudes prazerosas
Afirmam sua gratidão.

Pois Perdão, Piedade, Paz e Amor,
É Deus nosso Pai querido:
E Perdão, Piedade, Paz e Amor,
É o homem, seu filho, a quem cuida.

Que o Perdão tem um coração humano,
A Piedade, uma face humana,
E o Amor uma forma divina,
E a Paz, os trajes humanos.

Então todo homem em todo lugar,
Que ora em sua tristeza,
Está orando à forma humana divina.
Perdão, Piedade, Paz e Amor.

E todos devem amar a forma humana,
Seja em pagãos, turcos ou judeus.
Pois onde Perdão, Piedade, Paz e Amor habitam,
Deus reside ali, também.


(WILLIAM BLAKE)

NÃO SOU MESTRE DE NINGUÉM


NÃO SOU MESTRE DE NINGUÉM


Não sou mestre de ninguém.
Ninguém é discípulo meu.
Sou como a flecha na encruzilhada,
Cuja missão é apontar o caminho certo –
E depois ser abandonada...
Se o viandante não ultrapassar a seta,
Não cumpre o desejo da mesma.
Ai de mim se eu não for abandonado!
Se o viandante parar diante de mim,
Contemplando a minha forma e cores,
Se, em vez de demandar
A invisível longinqüidade
Se enamorar da minha visível propinqüidade,
Não compreender a minha mensagem,
Que aponta para além de mim,
Rumo ao Infinito.
Ai de mim, se eu for espelho,
Perante o qual os homens parem
Para se contemplarem a si mesmos,
Em mortífero narcisismo!
Feliz de mim, se eu for janela aberta,
Que permita visão de horizontes longínquos,
Passagem franca para o Infinito!
Não sou mestre de ninguém,
Ninguém é discípulo meu!
Indico a todos o Mestre invisível,
Que habita na alma de cada um
E para além de todos os mundos.
Sinto-me feliz, quando o viajor,
Orientado pela legenda da minha seta,
Me abandona e vai em demanda
Da indigitada meta
Em espontânea liberdade,
Rumo à longínqua felicidade...

(HUBERTO ROHDEN)



18 novembro 2007

Legado


Legado


Tudo o que
nos resta desta festa,
ora emocionante,
ora entediante,
mas sempre imprevisível,
que é a vida...


É a lembrança
do que um dia
os outros pensam que fomos
ou o personagem
que quisemos parecer
ter sido.

(Roder)



Veja as novas esculturas de Nimbus GoatBurn:


Eu e Faulkner


Eu e Faulkner

claro, eu sei que estás cansado de ouvir isso, mas
a maioria repete o mesmo tema vezes e vezes sem conta, é
como se estivessem a tentar aperfeiçoar aquilo que lhes parece estranho
e exterior e importante para eles, é feito por todos
porque toda a gente tem uma forma e um feitio diferente
e cada um deve esgotar o que está para trás
uma e outra vez porque
isso é para eles um pequeno milagre
um pouco de sorte

tal como agora e como antes e antes eu tenho estado a beber
devagar este bom vinho tinto e a ouvir sinfonia atrás
de sinfonia neste rádio preto à minha esquerda

algumas sinfonias lembram-me certas cidades e certos quartos,
fazem-me lembrar que certas pessoas há muito desaparecidas foram capazes de
ultrapassar a morte

e armadilhas e jaulas e ossos e membros

pessoas que tudo atravessaram com alegria e loucura e com
enorme força

em pequenos quartos alugados fui atingido por milagres

e mesmo agora depois de décadas ainda sou capaz de ouvir
uma nova obra nunca antes ouvida e ela ser totalmente
luminosa, um fresco raio de sol

há inúmeros substratos de surpresas vindos do
firmamento humano

a música tem uma forma alegre e infinita de explorar
o profano

os escritores estão confinados aos limites da visão e sentimento que lhes dá
a página e os músicos saltam para uma imensidão sem limites

agora mesmo está o velho Tchaikowsky a resmungar e a queixar-se
na sua sinfonia nº 5
mas é tão boa como quando a ouvi a primeira vez

não ouço um dos meus preferidos, Eric Coates, há algum tempo
mas sei que se continuar a beber o bom tinto e a ouvir
ele será o seguinte

há outros, muitos outros

e assim
isto é só mais um poema sobre beber e ouvir
música

repete, certo?

mas repara em Faulkner, ele não só disse sempre a mesma coisa
uma e outra vez como também disse o mesmo
lugar

assim, por favor, deixa-me aumentar o som a estes gigantes das nossas vidas
mais uma vez: os compositores clássicos do nosso tempo e
de tempos passados

têm afastado a corda do meu pescoço

talvez alarguem um pouco a
tua

(Charles Bukowski)




A ÚLTIMA ESTRELA


A ÚLTIMA ESTRELA


Voltaste as folhas, uma a uma, e agora
vais fechar este livro: a noite é finda...
O "meu céu interior..." já se descora
à luz de um dia que não vive ainda...

Não sei se achaste a minha noite linda,
se sentiste, como eu, o vir da aurora...
Vai a luz aumentando...A noite é finda
O "meu céu interior..." já se descora!...

Cada folha voltada, foi assim
como um raio de luz, a mais, brilhando...
como uma estrela que encontrou seu fim...

Esta folha - é da noite, o último véu...
E este verso que lês, e vai findando,
a última estrela a se apagar no céu!...


(JG DE ARAÚJO JORGE)




HÁ UM POETA EM MIM QUE DEUS ME DISSE


HÁ UM POETA EM MIM QUE DEUS ME DISSE


Há um poeta em mim que Deus me disse...
A Primavera esquece nos barrancos
As grinaldas que trouxe dos arrancos
Da sua efêmera e espectral ledice...

Pelo prado orvalhado a meninice
Faz soar a alegria os seus tamancos...
Pobre de anseios teu ficar nos bancos
Olhando a hora como quem sorrisse...

Florir do dia a capitéis de Luz...
Violinos do silêncio enternecidos...
Tédio onde o só ter tédio nos seduz...

Minha alma beija o quadro que pintou...
Sento-me ao pé dos séculos perdidos
E cismo o seu perfil de inércia e vôo...

(FERNANDO PESSOA)

http://br.youtube.com/watch?v=yx6dHmYD6c8

Das Canções Da Inocência


DAS CANÇÕES DA INOCÊNCIA


Tocando uma flauta no vale selvagem,
Tocando canções doces e alegres,
Vi uma criança aparecer nas nuvens,
E ela me disse sorrindo:
"Toque aquela do cordeiro";
Então toquei alegremente;
"Toque de novo a canção, por favor" –
Então eu toquei, e ela chorou ao ouvir.

"Largue a flauta, essa sua flauta feliz
E cante canções que tragam alegria;
Então toquei a mesma canção,
Enquanto ela chorou de prazer, ao ouvir.

"Flautista, sente-se e escreva
Num livro para que leiam" –
Então ela desapareceu".
E eu peguei um junco oco,

E fiz uma caneta rústica,
E a mergulhei nas águas límpidas
Para escrever as felizes canções
Que toda criança aprecia tanto ouvir.


(WILLIAM BLAKE)

17 novembro 2007

ENQUANTO EU LIA O LIVRO


ENQUANTO EU LIA O LIVRO


Enquanto eu lia o livro, a famosa biografia:
Então é isso (eu me perguntava)
o que o autor chama
a vida de um homem?
E é assim que alguém,
quando morto e ausente eu estiver,
irá escrever sobre a minha vida?
(Como se alguém realmente soubesse
de minha vida um nada,
quando até eu, eu mesmo, tantas vezes
sinto que pouco sei ou nada sei
da verdadeira vida que é a minha:
somente uns poucos traços
apagados, uns dados espalhados
e uns desvios, que eu busco
para uso próprio, marcando o caminho
daqui afora.)

(WALT WHITMAN)



APÓS O EGOCÍDIO


APÓS O EGOCÍDIO


Meu era o dinheiro.
Meu era o corpo.
Meu era o intelecto.
Meu era isto.
Meu era aquilo.
Tudo era meu.
Só meu - e de mais ninguém.
E, para constar que tudo aquilo era meu,
Eu fazia seguros de vida e de bens,
Assinava, sobre estampilhas oficiais,
Com firma reconhecida,
Solenemente carimbado,
Que isto e aquilo era meu,
Meu somente...
Tamanha era a insensatez
Da minha sensatez!
Tão inseguro era eu,
Que de tantos seguros necessitava!
Eu era senhor de tantos "meus"?
Porque ainda ignorava o meu verdadeiro Eu,
Que não necessita de "meus" nem de "seguros".
Identificava-me com o meu pseudo-eu,
Com o meu ego personal.
Que necessita de "meus" e de "seguros",
Porque é um pseudo-eu muito inseguro...
Quem de tudo isto necessita
É um necessitado, um pobre indigente.
Agora, porém, que ultrapassei o meu pseudo-eu,
Aboli quase todos os "meus".
Também, para que ainda defender os fortins de "meus",
Depois que se rendeu a fortaleza do pseudo-eu?
Aqueles "meus" só tinham uma razão-de-ser:
Garantir a existência do falso eu.
Mas agora que o falso eu morreu,
Agora que cometi o arrojado egocídio do ego –
Para que ainda manter esses velhos fortins,
Que o ego erguera em sua defesa?
Para que fortificar ainda o cadáver do ego?

Naquele tempo, toda a segurança me vinha de fora,
Da parte desses "meus".
Hoje, toda a minha segurança me vem de dentro,
Da alma do meu divino Eu.
E, sob a égide do grande Eu,
Se sente seguro até o pequeno ego.
Ressuscitou para uma vida nova.
Integrou-se, finalmente, no Eu divino.
Morreu o ego para o ego
E reviveu no Eu.
Se o ego não morresse,
Ficaria estéril;
Mas agora que morreu para si,
E ressurgiu no Eu –
Produz muito fruto...

(HUBERTO ROHDEN)



PRESA DO ÓDIO


PRESA DO ÓDIO


Da tu'alma na funda galeria
Descendo às vezes, eu às vezes sinto
Que como o mais feroz lobo faminto
Teu ódio baixo de alcatéia espia.

Do Desespero a noite cava e fria,
De boêmias vis o pérfido absinto
Pôs no teu ser um negro labirinto,
Desencadeou sinistra ventania.

Desencadeou a ventania rouca,
surda, tremenda, desvairada, louca,
Que a tu'alma abalou de lado a lado.

Que te inflamou de cóleras supremas
e deixou-te nas trágicas algemas
Do teu ódio sangrento acorrentado!


(CRUZ E SOUSA)