18 novembro 2007

Eu e Faulkner


Eu e Faulkner

claro, eu sei que estás cansado de ouvir isso, mas
a maioria repete o mesmo tema vezes e vezes sem conta, é
como se estivessem a tentar aperfeiçoar aquilo que lhes parece estranho
e exterior e importante para eles, é feito por todos
porque toda a gente tem uma forma e um feitio diferente
e cada um deve esgotar o que está para trás
uma e outra vez porque
isso é para eles um pequeno milagre
um pouco de sorte

tal como agora e como antes e antes eu tenho estado a beber
devagar este bom vinho tinto e a ouvir sinfonia atrás
de sinfonia neste rádio preto à minha esquerda

algumas sinfonias lembram-me certas cidades e certos quartos,
fazem-me lembrar que certas pessoas há muito desaparecidas foram capazes de
ultrapassar a morte

e armadilhas e jaulas e ossos e membros

pessoas que tudo atravessaram com alegria e loucura e com
enorme força

em pequenos quartos alugados fui atingido por milagres

e mesmo agora depois de décadas ainda sou capaz de ouvir
uma nova obra nunca antes ouvida e ela ser totalmente
luminosa, um fresco raio de sol

há inúmeros substratos de surpresas vindos do
firmamento humano

a música tem uma forma alegre e infinita de explorar
o profano

os escritores estão confinados aos limites da visão e sentimento que lhes dá
a página e os músicos saltam para uma imensidão sem limites

agora mesmo está o velho Tchaikowsky a resmungar e a queixar-se
na sua sinfonia nº 5
mas é tão boa como quando a ouvi a primeira vez

não ouço um dos meus preferidos, Eric Coates, há algum tempo
mas sei que se continuar a beber o bom tinto e a ouvir
ele será o seguinte

há outros, muitos outros

e assim
isto é só mais um poema sobre beber e ouvir
música

repete, certo?

mas repara em Faulkner, ele não só disse sempre a mesma coisa
uma e outra vez como também disse o mesmo
lugar

assim, por favor, deixa-me aumentar o som a estes gigantes das nossas vidas
mais uma vez: os compositores clássicos do nosso tempo e
de tempos passados

têm afastado a corda do meu pescoço

talvez alarguem um pouco a
tua

(Charles Bukowski)




Nenhum comentário: