10 dezembro 2010

Anjo És


Anjo És




Anjo és tu, que esse poder

Jamais o teve mulher,

Jamais o há-de ter em mim.

Anjo és, que me domina

Teu ser o meu ser sem fim;

Minha razão insolente

Ao teu capricho se inclina,

E minha alma forte, ardente,

Que nenhum jugo respeita,

Covardemente sujeita

Anda humilde a teu poder.

Anjo és tu, não és mulher.



Anjo és. Mas que anjo és tu?

Em tua fronte anuviada

Não vejo a c'roa nevada

Das alvas rosas do céu.

Em teu seio ardente e nu

Não vejo ondear o véu

Com que o sôfrego pudor

Vela os mistérios d'amor.

Teus olhos têm negra a cor,

Cor de noite sem estrela;

A chama é vivaz e é bela,

Mas luz não têm. - Que anjo és tu?

Em nome de quem vieste?

Paz ou guerra me trouxeste

De Jeová ou Belzebu?



Não respondes - e em teus braços

Com frenéticos abraços

Me tens apertado, estreito!...

Isto que me cai no peito

Que foi?... - Lágrima? - Escaldou-me...

Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,

Dou-me a ti, anjo maldito,

Que este ardor que me devora

É já fogo de precito,

Fogo eterno, que em má hora

Trouxeste de lá... De donde?

Em que mistérios se esconde

Teu fatal, estranho ser!

Anjo és tu ou és mulher?



( Almeida Garrett )

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