16 agosto 2010

Canção da Saudade



Canção da Saudade



Se eu fosse cego amava toda a gente.



Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor.
Eu amo a minha irmã gemea que nasceu sem vida,
e amo-a a fantazia-la viva na minha edade.



Tu, meu amor, que nome é o teu?
Dize onde vives, dize onde móras, dize se vives ou se já nasceste.



Eu amo aquella mão branca dependurada
da amurada da galé que partia
em busca de outras galés
perdidas em mares longissimos.



Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas.



Eu amo aquellas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas.



Eu amo os cemiterios - as lágens são espessas vidraças transparentes, e eu vejo deitadas em leitos florídos virgens núas, mulheres bellas rindo-se para mim.



Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos. Eu amo a lua do lado que eu nunca vi.



Se eu fosse cego amava toda a gente.



( Almada Negreiros )

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