22 agosto 2010

Vi


Vi

 
No outro dia, na borda do caminho

Deitado ao pé de um fosso aberto apenas,

Viu-se um mancebo loiro que morria...

Semblante feminil, e formas débeis,

Mas nos palores da espaçosa fronte

Uma sombria dor cavara sulcos.

Corria sobre os lábios alvacentos

Uma leve umidez, um ló d'escuma,

E seus dentes a raiva constringira...

Tinha os punhos cerrados... Sobre o peito

Acharam letras de uma língua estranha...

E um vidro sem licor... fora veneno!...

 
Ninguém o conheceu; mas conta o povo

Que, ao lançá-lo no túmulo, o coveiro

Quis roubar-lhe o gibão - despiu o moço...

E viu... talvez é falso... níveos seios...

Um corpo de mulher de formas puras...

 

Na tumba dormem os mistérios de ambos;

Da morte o negro véu não há erguê-lo!

Romance obscuro de paixões ignotas

Poema d'esperança e desventura,

Quando a aurora mais bela os encantava,

Talvez rompeu-se no sepulcro deles!

Não pode o bardo revelar segredos

Que levaram ao céu as ternas sombras;

Desfolha apenas nessas frontes puras

Da extrema inspiração as flores murchas...

 
( Álvares De Azevedo )

Nenhum comentário: