31 agosto 2010

Poema Quotidiano


Poema Quotidiano




É tão depressa noite neste bairro

Nenhum outro porém senhor administrador

goza de tão eficiente serviço de sol

Ainda não há muito ele parecia

domiciliado e residente ao fim da rua

O senhor não calcula todo o dia

que festa de luz proporcionou a todos

Nunca vi e já tenho os meus anos

lavar a gente as mãos no sol como hoje

Donas de casa vieram encher de sol

cântaros alguidares e mais vasos domésticos

Nunca em tantos pés

assim humildemente brilhou

Orientou diz-se até os olhos das crianças

para a escola e pôs reflexos novos

nas míseras vidraças lá do fundo



Há quem diga que o sol foi longe demais

Algum dos pobres desta freguesia

apanhou-o na faca misturou-o no pão

Chegaram a tratá-lo por vizinho

Por este andar... Foi uma autêntica loucura

O astro-rei tornado acessível a todos

ele que ninguém habitualmente saudava

Sempre o mesmo indiferente

espectáculo de luz sobre os nossos cuidados

Íamos vínhamos entrávamos não víamos

aquela persistência rubra. Ousaria

alguém deixar um só daqueles raios

atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?



Mas hoje o sol

morreu como qualquer de nós

Ficou tão triste a gente destes sítios

Nunca foi tão depressa noite neste bairro



( Ruy Belo )

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