25 agosto 2010

A Morte o Amor a Vida


A Morte o Amor a Vida



Julguei que podia quebrar a profundeza a

[imensidade

Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco

Estendi-me na minha prisão de portas virgens

Como um morto razoável que soube morrer

Um morto cercado apenas pelo seu nada

Estendi-me sobre as vagas absurdas

Do veneno absorvido por amor da cinza

A solidão pareceu-me mais viva que o sangue



Queria desunir a vida

Queria partilhar a morte com a morte

Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida

Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro

[nem o orvalho

Nada nem à frente nem atrás nada inteiro

Havia eliminado o gelo das mãos postas

Havia eliminado a invernal ossatura

Do voto de viver que se anula



Tu vieste o fogo então reanimou-se

A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de

[estrelas

E a terra cobriu-se

Da tua carne clara e eu senti-me leve

Vieste a solidão fora vencida

Eu tinha um guia na terra

Sabia conduzir-me sabia-me desmedido

Avançava ganhava espaço e tempo

Caminhava para ti dirigia-me incessantemente

[para a luz

A vida tinha um corpo a esperança desfraldava

[as suas velas

O sono transbordava de sonhos e a noite

Prometia à aurora olhares confiantes

Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro

A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos

O repouso deslumbrado substituía a fadiga

E eu adorava o amor como nos meus primeiros

[tempos



Os campos estão lavrados as fábricas irradiam

E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme

A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas

Nada é simples nem singular

O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite



A floresta dá segurança às árvores

E as paredes das casas têm uma pele comum

E as estradas cruzam-se sempre

Os homens nasceram para se entenderem

Para se compreenderem para se amarem

Têm filhos que se tornarão pais dos homens

Têm filhos sem eira nem beira

Que hão-de reinventar o fogo

Que hão-de reinventar os homens

E a natureza e a sua pátria

A de todos os homens

A de todos os tempos.



( Paul Eluard )

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