30 agosto 2010

Surdina


Surdina




No ar sossegado um sino canta,

Um sino canta no ar sombrio...

Pálida, Vênus se levanta...

Que frio!



Um sino canta. O campanário

Longe, entre névoas, aparece...

Sino, que cantas solitário,

Que quer dizer a tua prece?



Que frio! embuçam-se as colinas;

Chora, correndo, a água do rio;

E o céu se cobre de neblinas.

Que frio!



Ninguém... A estrada, ampla e silente,

Sem caminhantes, adormece...

Sino, que cantas docemente,

Que quer dizer a tua prece?



Que medo pânico me aperta

O coração triste e vazio!

Que esperas mais, alma deserta?

Que frio!



Já tanto amei! já sofri tanto!

Olhos, por que inda estais molhados?

Por que é que choro, a ouvir-te o canto,

Sino que dobras a finados?



Trevas, caí! que o dia é morto!

Morre também, sonho erradio!

A morte é o último conforto...

Que frio!



Pobres amores, sem destino,

Soltos ao vento, e dizimados!

Inda vos choro... E, como um sino,

Meu coração dobra a finados.



E com que mágoa o sino canta,

No ar sossegado, no ar sombrio!

- Pálida, Vênus se levanta.

Que frio!



( Olavo Bilac )

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