31 outubro 2010

Transferência


Transferência




Me vejo em ti

Ou te vejo em mim?



Onde começa um

E termina o outro?

Somos iguais?

Acredito que não.



Mas com certeza somos semelhantes

E nestas afinidades ficamos à vontade

E deixamos transparecer

Tudo aquilo que inconscientemente

Procuramos esconder.



Quando a olhei de perto,

Por um momento,

Vi a minha imagem oposta,

Tão parecida e ao mesmo tempo

Tão diferente,refletida no espelho.



Mas o melhor disso tudo

É termos bem claro

Um para o outro

Que eu sou eu

E você é você.



( Roder )

Vá Embora Eu Peço ...


Vá Embora Eu Peço ...




Peço que vá e leve a dor, o calor e o medo.

Te mantenho aqui pois assim fico com a companhia,

a existência se prova, me provas...

Não agüento mais o paradoxo de te querer perto

quando está longe e longe quando perto.



Pensei quando me disse que te trato de maneiras diferentes.

E logo cheguei a conclusão que tenho medo de te amar,

mais do que já amo.

De me machucar ou que seria insuportável para mim.

Te machucar!



Vá embora, mas prometa-me que volta, prometa-me que não volta ....

Me deixe esperando, sem ao mesmo tempo não esperar nada.



Vá embora , quem sabe assim eu desista de você. De mim com você.

É estranho e controverso desistir de algo que é tão bom,

mas que não existe ou que jamais venha a existir .

Apenas uma coisa é certa.

Mesmo que você realmente vá embora jamais seremos os mesmos.

Provamos o fruto sagrado, proibido

– o fruto do saber como seria algo que nunca virá a acontecer.



Vá embora e deixe-me ao menos as lembranças.

Estas sim são minhas, suas e nossas.

Se assim quisermos.

Vá embora, porém estarei sempre acompanhada por emoções,

sensações por mais taciturno que seja.

Posso garantir que fui feliz pelo pior motivo talvez,

a certeza de que qualquer forma você iria embora,

mesmo que eu não o pedisse.



Vá embora então, mas leve um pedaço do meu coração...



( Cecilia Cocharo )

TU QUE ME DESTE O TEU CUIDADO...


TU QUE ME DESTE O TEU CUIDADO...




Tu que me deste o teu carinho

E que me deste o teu cuidado,

Acolhe ao peito, como o ninho

Acolhe ao pássaro cansado,

O meu desejo incontentado.



Há longos anos ele arqueja

Em aflitiva escuridão.

Sê compassiva e benfazeja.

Dá-lhe o melhor que ele deseja:

Teu grave e meigo coração.



Sê compassiva. Se algum dia

Te vier do pobre agravo e mágoa,

Atende à sua dor sombria:

Perdoa o mal que desvaria

E traz os olhos rasos de água.



Não te retires ofendida.

Pensa que nesse grito vem

O mal de toda a sua vida:

Ternura inquieta e malferida

Que, antes, não dei nunca a ninguém.



E foi melhor nunca ter dado:

Em te pungido algum espinho,

Cinge-a ao teu peito angustiado.

E sentirás o meu carinho.

E sentirás o meu cuidado.


( Manuel Bandeira )

UE PORTA BATE ?


UE PORTA BATE ?




o ar que respiro

é daqui

sai do chão

das paredes movediças

tombadas pelo tempo



à margem das ausências

nenhuma porta bate


( Liana Timm )

30 outubro 2010

Amor Metódico


Amor Metódico




Na nossa metódica relação

Seguimos os nossos implícitos combinados,

Que tanto combinam um com o outro

E foram elaborados

Pelas nossas vidas em separado.



Hoje,juntos,temos hora

E dia para nos encontrar,

Temos hora para ligar

E seguimos um protocolo

Ao nos comunicar.



E nesse nosso metódico amor

Seguimos construindo

A nossa relação,

Cheia de elaboração

E sem hora para acabar!



( Roder )

A Música


A Música




A música p'ra mim tem seduções de oceano!

Quantas vezes procuro navegar,

Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,

Minha pálida estrela a demandar!



O peito saliente, os pulmões distendidos

Como o rijo velame d'um navio,

Intento desvendar os reinos escondidos

Sob o manto da noite escuro e frio;



Sinto vibrar em mim todas as comoções

D'um navio que sulca o vasto mar;

Chuvas temporais, ciclones, convulsões



Conseguem a minh'alma acalentar.

— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,

Que desespero horrivel me exaspera!



( Charles Baudelaire )

Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!


Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!




Ser doido-alegre, que maior ventura!

Morrer vivendo p'ra além da verdade.

É tão feliz quem goza tal loucura

Que nem na morte crê, que felicidade!



Encara, rindo, a vida que o tortura,

Sem ver na esmola, a falsa caridade,

Que bem no fundo é só vaidade pura,

Se acaso houver pureza na vaidade.



Já que não tenho, tal como preciso,

A felicidade que esse doido tem

De ver no purgatório um paraíso...



Direi, ao contemplar o seu sorriso,

Ai quem me dera ser doido também

P'ra suportar melhor quem tem juízo.



( António Aleixo )

Retrato do Herói


Retrato do Herói




Herói é quem num muro branco inscreve

O fogo da palavra que o liberta:

Sangue do homem novo que diz povo

e morre devagar de morte certa.



Homem é quem anónimo por leve

lhe ser o nome próprio traz aberta

a alma à fome fechado o corpo ao breve

instante em que a denúncia fica alerta.



Herói é quem morrendo perfilado

Não é santo nem mártir nem soldado

Mas apenas por último indefeso.



Homem é quem tombando apavorado

dá o sangue ao futuro e fica ileso

pois lutando apagado morre aceso.



( Ary dos Santos )

29 outubro 2010

Relativismo Evolutivo


Relativismo Evolutivo



Toda a existência
esta contida neste momento
este do agora
como o primeiro átomo

A gerar o universo,
segundo alguns cientistas,
eras de maravilhas e formações
e constantes transformações infinitas...
Gases,oceanos,trilobitas
dinossauros,deuses e impérios
transmutaram-se e tiveram
as suas ascenções e quedas...

Mas do que vale
toda esta filosofia e labuta,
se esta fila de banco
não anda?


( Roder )

Ternura


Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego,uma unção,um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,muito quieta
E deixe que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar exático da aurora.

( Vinícius de Moraes )

A Minha Hora


A Minha Hora




Que horas são? O meu relógio está parado,

Há quanto tempo!...

Que pena o meu relógio estar parado

E eu não poder marcar esta hora extraordinária!

Hora em que o sonho ascende, lento, muito lento,

Hora som de violino a expirar... Hora vária,

Hora sombra alongada de convento...



Hora feita de nostalgia

Dos degredados...

Hora dos abandonados

E dos que o tédio abate sem cessar...

Hora dos que nunca tiveram alegria,

Hora dos que cismam noite e dia,

Hora dos que morrem sem amar...



Hora em que os doentes de corpo e alma,

Pedem ao Senhor para os sarar...

Hora de febre e de calma,

Hora em que morre o sol e nasce o luar...

Hora em que os pinheiros pela encosta acima,

São monges a rezar...



Hora irmã da caridade

Que dá remédio aos que o não têm...

Hora saudade...

Hora dos Pedro Sem...

Hora dos que choram por não ter vivido,

Hora dos que vivem a chorar alguém...



Hora dos que têm um sonho águia mas... ai!

Águia sem asas para voar...

Hora dos que não têm mãe nem pai

E dos que não têm um berço p'ra embalar...

Hora dos que passam por este mundo,

De olhos fechados, a sonhar...



Hora de sonhos... A minha hora

- 'Stertor's de sol, vagidos de luar -

Mas... ai! a lua lá vem agora...

- Senhora lua, minha senhora,

Mais um minuto para a minha hora,

Mais um minuto para sonhar...



( Saúl Dias )

Poema Involuntário


Poema Involuntário




Decididamente a palavra

quer entrar no poema e dispõe

com caligráfica raiva

do que o poeta no poema põe.



Entretanto o poema subsiste

informal em teus olhos talvez

mas perdido se em precisa palavra

significas o que vês.



Virtualmente teus cabelos sabem

se espalhando avencas no travesseiro

que se eu digo prodigiosos cabelos

as insólitas flores que se abrem

não têm sua cor nem seu cheiro.



Finalmente vejo-te e sei que o mar

o pinheiro a nuvem valem a pena

e é assim que sem poetizar

se faz a si mesmo o poema.



( Natália Correia )

28 outubro 2010

Milagre


Milagre


Fechei os olhos ao beijá-la
Fiquei com medo de abri-los
E descobrir que era tudo um sonho
Mas ao mesmo tempo senti
Pelos seus lábios
Que tudo era real
E mesmo um niilista
Pode chegar ao Céu!

( Roder )

Frémito do Meu Corpo a Procurar-te

Frémito do Meu Corpo a Procurar-te




Frémito do meu corpo a procurar-te,

Febre das minhas mãos na tua pele

Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,

Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,



Olhos buscando os teus por toda a parte,

Sede de beijos, amargor de fel,

Estonteante fome, áspera e cruel,

Que nada existe que a mitigue e a farte!



E vejo-te tão longe! Sinto tua alma

Junto da minha, uma lagoa calma,

A dizer-me, a cantar que não me amas...



E o meu coração que tu não sentes,

Vai boiando ao acaso das correntes,

Esquife negro sobre um mar de chamas...



( Florbela Espanca )

Poeminha Compensatório


Poeminha Compensatório




Amigas, venham todas

Tragam o sal, o sol, o som, a vida,

O riso, a onda.

Eu sou o Cavalheiro da Triste Figura

Mas tenho uma bela Távola Redonda



Saio sempre do cinema

Com o sentimento desagradável

De que, se não houvesse lido a

Crítica, teria sido formidável!



( Millôr Fernandes )

Cai a Chuva Abandonada

Cai a Chuva Abandonada




Cai a chuva abandonada

à minha melancolia,

a melancolia do nada

que é tudo o que em nós se cria.



Memória estranha de outrora

não a sei e está presente.

Em mim por si se demora

e nada em mim a consente



do que me fala à razão.

Mas a razão é limite

do que tem ocasião



de negar o que me fite

de onde é a minha mansão

que é mansão no sem-limite.

Ao longe e ao alto é que estou

e só daí é que sou.



( Vergílio Ferreira )

27 outubro 2010

Nunca É Cedo Demais...


Nunca É Cedo Demais...



Nunca é cedo demais
para falarmos do amor,
pois nunca sabemos
quando seremos pegos
de surpresa por ele...

A lembrarmos de um abraço,
ou um beijo,ou um sorriso,
ou isso tudo junto
e a esperar que tudo isso
aconteça de novo,de novo,
e de novo...
e continue a se repetir sempre,
infinitamente...

( Roder )

Caminharemos de Olhos Deslumbrados


Caminharemos de Olhos Deslumbrados




Caminharemos de olhos deslumbrados

E braços estendidos

E nos lábios incertos levaremos

O gosto a sol e a sangue dos sentidos.



Onde estivermos, há-de estar o vento

Cortado de perfumes e gemidos.

Onde vivermos, há-de ser o templo

Dos nossos jovens dentes devorando

Os frutos proibidos.



No ritual do verão descobriremos

O segredo dos deuses interditos

E marcados na testa exaltaremos

Estátuas de heróis castrados e malditos.



Ó deus do sangue! deus de misericórdia!

Ó deus das virgens loucas

Dos amantes com cio,

Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,

Unge os nossos cabelos com o teu desvario!



Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,

Fustiga-nos os membros como um látego doido,

Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,

Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.



Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,

Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,

Atapeta de flores a estrada que seguimos

E carrega de aromas a brisa que nos toca.



Nus e ensanguentados dançaremos a glória

Dos nossos esponsais eternos com o estio

E coroados de apupos teremos a vitória

De nos rirmos do mundo num leito vazio.





( Ary dos Santos )

Morte não é a Esquálida Caveira


Morte não é a Esquálida Caveira




Morte não é a esquálida caveira

Dura, disforme, seca e carcomida:

Ela um destroço é, uma caída

Da abreviada, racional carreira.



De ossos e carne envernizada, inteira,

Por vida tem a nossa própria vida.

Come, bebe, passeia, está vestida

E, até morrer, é nossa companheira.



E sombra que sentimos e não vemos,

Segue-nos sempre aonde quer que vamos,

Só nos deixa nos últimos extremos.



A Morte é sempre a vida que logramos,

Pois morte são os dias que vivemos

E, vida, só o instante que expiramos.



( Francisco Joaquim Bingre )

Dois Rumos


Dois Rumos




Mentir, eis o problema:

minto de vez em quando

ou sempre, por sistema?



Se mentir todo dia,

erguerei um castelo

em alta serrania



contra toda escalada,

e mais ninguém no mundo

me atira seta ervada?



Livre estarei, e dentro

de mim outra verdade

rebrilhará no centro?



Ou mentirei apenas

no varejo da vida,

sem alívio de penas,



sem suporte e armadura

ante o império dos grandes,

frágil, frágil criatura?



Pensarei ainda nisto.

Por enquanto não sei

se me exponho ou resisto,



se componho um casulo

e nele me agasalho,

tornando o resto nulo,



ou adiro à suposta

verdade contingente

que, de verdade, mente.



( Carlos Drummond de Andrade )

26 outubro 2010

Mulher Sereia


Mulher Sereia



A mulher sereia

é aquela que sabe que seu encanto

tem um efeito voraz

sobre os homens.



Seu canto deixa promessas

que nunca se realizarão

mas mesmo assim

os homens de joelhos,



Como aos pés de um ser mítico,

fazem juras e esperam

o que nunca vai acontecer...

Mas elas não são felizes,



No fundo acreditam que não podem

ir além do que prometem

por se sentirem ser apenas aparência,

sem mais nada a oferecer.



( Roder )