26 outubro 2010

Quando Eu For Pequeno


Quando Eu For Pequeno




Quando eu for pequeno, mãe,

quero ouvir de novo a tua voz

na campânula de som dos meus dias

inquietos, apressados, fustigados pelo medo.

Subirás comigo as ruas íngremes

com a certeza dócil de que só o empedrado

e o cansaço da subida

me entregarão ao sossego do sono.



Quando eu for pequeno, mãe,

os teus olhos voltarão a ver

nem que seja o fio do destino

desenhado por uma estrela cadente

no cetim azul das tardes

sobre a baía dos veleiros imaginados.



Quando eu for pequeno, mãe,

nenhum de nós falará da morte,

a não ser para confirmarmos

que ela só vem quando a chamamos

e que os animais fazem um círculo

para sabermos de antemão que vai chegar.



Quando eu for pequeno, mãe,

trarei as papoilas e os búzios

para a tua mesa de tricotar encontros,

e então ficaremos debaixo de um alpendre

a ouvir uma banda a tocar

enquanto o pai ao longe nos acena,

lenço branco na mão com as iniciais bordadas,

anunciando que vai voltar porque eu sou

[pequeno

e a orfandade até nos olhos deixa marcas.



( José Jorge Letria )

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