23 outubro 2010

Desafogo


Desafogo




Onde estás, oh Filósofo indefesso

Pio sequaz da rígida Virtude,

Tão terna a alheios, quanto a si severa?

Com que mágoa, com que ira olharas hoje

Desprezada dos homens, e esquecida

Aquela ânsia, que em nós pousou Natura

No âmago do peito, — de acudir-nos

Co'as forças, c'o talento, co'as riquezas

À pena, ao desamparo do homem justo!

Que (baldão da fortuna iníqua) os Deuses

Puseram para símbolo do esforço,

Lutando a braços c'o áspero infortúnio?

Pedra de toque em que luzisse o ouro

De sua alma viril, onde encravassem

Seus farpões mais agudos as Desgraças,

E os peitos de virtude generosa

Desferissem poderes de árduo auxílio?

Que nunca os homens são mais sobre-humanos

Mais comparados c'os sublimes Numes,

Que quando acodem com socorro activo,

Não manchado de sórdido interesse,

Nem do fumo de frívola ufania;

Ou cheios de valor e de constância

Arrostam co'a medonha catadura

Da Desgraça, que apura iradas mágoas

Na casa nua do varão honesto.

Mas Grécia e Roma há muito que acabaram;

E as cinzas dos Heróis fortes e humanos,

Que as cívicas coroas preferiam

Ao louro triunfal, tinto de sangue,

Hoje as pisa, hoje espalha desdenhoso

O vulgo cego dos Filautes duros,

Surdo à voz que o repreende vingadora.

Que os homens, de imprudentes, não alcançam,

Que o perene prazer único e puro,

Que o Céu outorga neste esquivo exílio,

E o que se esparge pelos seios da alma,

E que a transpassa de imortal deleite,

Quando partimos, com bizarra dextra,

Os bens, que liberal nos deu a sorte,

E vemos transluzir radiosa e viva

A Alegria no rosto do afligido,

A Dissabor molesto condenado.



( Filinto Elísio )

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