26 novembro 2010

A Armadura


A Armadura




Desenganos, traições, combates, sofrimentos,

Numa vida já longa acumulados, vão

— Como sobre um paul contínuos sedimentos,

Pouco a pouco envolvendo em cinza o coração.



E a cinza com o tempo atinge uma espessura

Que nem os mais cruéis desesperos abalam;

É como tenebrosa, impávida armadura

Ou couraça de bronze em que os golpes resvalam.



Impermeável da Inveja à peçonhenta bava,

Nela a Calúnia embota os seus dentes ervados;

Não há braço que possa amolgá-la, nem clava

Que nesse duro arnês se não faça em bocados.



E no entanto, através dessas rijas camadas,

Ou rompendo por entre as juntas da armadura,

Escorrem muita vez gotas ensanguentadas

Que o coração verteu dalguma chaga obscura...



( António Feijó )

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