28 novembro 2010

A Jovem Cativa


A Jovem Cativa




(André Chenier)



— “Respeita a foice a espiga que desponta;

Sem receio ao lagar o tenro pâmpano

Bebe no estio as lágrimas da aurora;

Jovem e bela também sou; turvada

A hora presente de infortúnio e tédio

Seja embora: morrer não quero ainda!



De olhos secos o estóico abrace a morte;

Eu choro e espero; ao vendaval que ruge

Curvo e levanto a tímida cabeça.

Se há dias maus, também os há felizes!

Que mel não deixa um travo de desgosto?

Que mar não incha a um temporal desfeito?



Tu, fecunda ilusão, vives comigo.

Pesa em vão sobre mim cárcere escuro,

Eu tenho, eu tenho as asas da esperança:

Escapa da prisão do algoz humano,

Nas campinas do céu, mais venturosa,

Mais viva canta e rompe a filomela.



Deve acaso morrer ? Tranqüila durmo,

Tranqüila velo; e a fera do remorso

Não me perturba na vigília ou sono;

Terno afago me ri nos olhos todos

Quando apareço, e as frontes abatidas

Quase reanima um desusado júbilo.



Desta bela jornada é longe o termo.

Mal começo; e dos olmos do caminho

Passei apenas os primeiros olmos.

No festim em começo da existência

Um só instante os lábios meus tocaram

A taça em minhas mãos ainda cheia.



Na primavera estou, quero a colheita

Ver ainda, e bem como o rei dos astros,

De sazão em sazão findar meu ano.

Viçosa, sobre a haste, honra das flores,

Hei visto apenas da manhã serena

Romper a luz, — quero acabar meu dia.



Morte, tu podes esperar; afasta-te!

Vai consolar os que a vergonha, o medo,

O desespero pálido devora.

Pales inda me guarda um verde abrigo,

Ósculos o amor, as musas harmonias;

Afasta-te, morrer não quero ainda!” –



Assim, triste e cativa, a minha lira

Despertou escutando a voz magoada

De uma jovem cativa; e sacudindo

O peso de meus dias langorosos,

Acomodei à branda lei do verso

Os acentos da linda e ingênua boca.



Sócios meus de meu cárcere, estes cantos

Farão a quem os ler buscar solícito

Quem a cativa foi; ria-lhe a graça

Na ingênua fronte, nas palavras meigas;

De um termo à vida, há de tremer, como ela,

Quem aos seus dias for casar seus dias.



( Machado de Assis )

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