12 setembro 2010

Memória Consentida


Memória Consentida




Neste lugar sem tempo nem memória,

nesta luz absoluta ou absurda,

ou só escuridão total, relances há

em que creio, ou se me afigura,

ter tido, alguma vez, passado



com biografia, onde se misturam

datas, nomes, caras, paisagens

que, de tão rápidas, me deixam

apenas a lembrança agoniada

de não mais poder lembrá-las.



Sobra, por vezes, um estilhaço

ou fragmento, como o latido

de um cão na tarde dolente

e comprida de uma remota infância.

Ou o indistinto murmúrio de vozes



junto de um rio que, como as vozes,

não existe já quando para ele

volvo, surpreso, o olhar cansado.

Insidiosas, rangem tábuas no soalho,

ou é o sussurro brando do vento



no zinco ondulado, na fronde umbrosa

dos eucaliptos de perfil no horizonte,

com o mar ao fundo. Que soalho,

de que casa, que vento em que paragens,

onde o mar ao longe que, entrevistos,



os não vejo já ou, sequer, recordo

na brevidade do instante cruel?

De que sonho, ou vida, ou espaço de outrem

provêm tais sombras melancólicas,

ferindo de indecifráveis avisos



este lugar em que, não sendo consentido

o coração, se não consentem tempo e memória?

Pausa ou pena, a seu oculto propósito há-de

sempre opor-se, lenta, a inexorável asfixia

desta luz absurda, ou só escuridão total.



( Rui Knopfli )

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