26 setembro 2010

Tu Mandaste-me Dizer


Tu Mandaste-me Dizer




Tu mandaste-me dizer

Que tornavas novamente

Quando viesse a tardinha;

E eu, para mais te prender,

- N'esse dia...



Pintei de negro os meus olhos

E de rôxo a minha boca.

As rosas eram aos mólhos

Para a noite rubra e louca!



Entornei sobre o meu corpo,

- Que fôra delgado e bello!

O perfume mais extranho e mais subtil;

E um brocado rôxo e verde

Envolveu a minha carne

Macerada e varonil.

Os meus hombros florentinos,

Cobértos de pedraria,

Eram chagas luminosas

Alumiando o meu corpo

Todo em fébre e nostalgia.

Nas minhas mãos de cambraia,

As esmeraldas scintillavam;

E as pérolas nos meus braços,

Murmuravam...

Desmanchado, o meu cabello,

Em ondas largas, cahia,

Na minha fronte

Ligeiramente sombría.



Estava pallido e dir-se-hia

Que a pallidez aumentava

A minha grande belleza!



Na minha boca ondulava

Um sorriso de tristeza.



A noite vinha tombando.



E, como tardasses,

Fiquei-me, sentádo, olhando

O meu vulto reflectido

No espelho de crystal;



E afinal,

Nem frescura, nem belleza,

No meu rôsto descobri!



- Ó morte, não me procures!

E tu, meu amôr, não venhas!...

- Eu já morri.



( António Botto )

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